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Limites das súmulas dos Tribunais e exame de normas coletivas pela Justiça do Trabalho

Por: Edgar Herzmann - 07/01/2020


Limites das súmulas dos Tribunais e exame de normas coletivas pela Justiça do Trabalho

O legislador da reforma incluiu no art. 8º da CLT os parágrafos 1º, 2º e 3º, tratando, respectivamente de três temas que exigem uma verificação individualizada: 


Direito comum aplicado ao direito do trabalho

Quanto ao § 1º, a mudança foi sutil, porém perigosa. Isso porque, houve apenas a transformação do antigo parágrafo único em § 1º, com a supressão da parte final da redação anterior, qual seja: “naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.”

Tinha-se, por força de lei, a segurança de que o Direito comum seria fonte subsidiária do Direito o Trabalho quando a situação posta em análise não encontrasse resposta na CLT, das normas que regulam as relações trabalhistas e na jurisprudência (súmulas e orientações jurisprudenciais), somente nos casos em que tal aplicação secundária não confrontasse com os princípios fundamentais que regem o Direito trabalhista. 

Tal garantia assegurava a inaplicabilidade de uma norma do Direito comum, mesmo nos casos de omissões nas fontes do Direito do Trabalho, quando essa norma ofendesse ou violasse esses princípios.

Agora, com a supressão da parte final do antigo parágrafo único do art. 8º da CLT, corre-se o risco de norma subsidiária ser aplicada mesmo se contrariar algum princípio do Direito do Trabalho. 

Ao nosso ver, mesmo na supressão da referida redação, não há como aplicar norma de Direito comum que seja incompatível com os princípios trabalhistas, haja vista que esses permanecem inalterados, isto é, não foram objeto da reforma trabalhista. 

Portanto, os princípios trabalhistas ainda devem dar as diretrizes para a interpretação e aplicação do Direito laboral, principalmente quanto às mudanças trazidas pela lei 13.467/2017.

 

Ativismo Judicial

No tocante ao § 2º, a ideia central e inequívoca é a de acabar com o famoso ativismo judicial, onde o Judiciário atua numa espécie de substituição do Poder Legislativo, por meio de edição de súmulas e orientações jurisprudenciais que visam criar ou restringir determinadas matérias de direito. 

Tal limitação é dirigida ao Poder Judiciário Trabalhista, o qual se restringirá a analisar a lei e aplicá-la dentro dos seus exatos limites, sem mais nem menos, bem como sem jamais contrariá-la com decisões que negam a sua aplicabilidade. Esse parágrafo foi pensado pelo legislador ordinário no intuito de impedir os juízes de deixarem de aplicar as novas regras, dado a manifesta desaprovação da maioria dos magistrados brasileiros quanto à proposta de reforma trabalhista aprovada pelo Congresso Nacional.

Um exemplo clássico de ativismo judicial é o caso do disposto no art. 614, § 3º, da CLT (redação mantida), o qual aduz que não será permitido estipular duração de Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho superior a 2 (dois) anos. A lei é claríssima no sentido da limitação temporal da norma coletiva. Isto é, se a vigência máxima permitida por lei é de dois anos, ao final desse prazo o direito negociado deixará de existir. No entanto, veio o TST, por meio da súmula 277, e disse que as cláusulas normativas dos Acordos ou Convenções Coletivas podem ultrapassar o referido prazo, pois permite a integração dessas normas coletivas ao contrato de trabalho até que venha outra negociação coletiva e modifique ou suprima tais cláusulas. Ou seja, se não houver negociação sobre determinado direito previsto numa norma coletiva que deveria ter duração máxima de dois anos, esse direito perdurará no tempo de forma indeterminada, pois integrou-se ao contrato de trabalho.

Assim dispõe a referida súmula:

CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE. As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.

Por outro lado, temos inúmeros exemplos positivos dessa proatividade dos tribunais trabalhistas, como é o caso da súmula 331 do TST, a qual regulamentou um instituto que não havia previsão legal e estava num limbo jurídico, que é a terceirização das atividades de uma empresa. Diante da inércia do Poder Legislativo, o TST editou a referida súmula e passou a regular a matéria dizendo quais atividades poderiam ser terceirizadas, bem como abordou a questão da responsabilidade das empresas envolvidas nesse processo pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas.

Podemos encontrar outros exemplos de atividades do TST que equilibram a relação de emprego nas seguintes súmulas:

Súmula nº 129 do TST:

CONTRATO DE TRABALHO. GRUPO ECONÔMICO. A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário.

Súmula nº 132 do TST:

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. INTEGRAÇÃO. I - O adicional de periculosidade, pago em caráter permanente, integra o cálculo de indenização e de horas extras. II - Durante as horas de sobreaviso, o empregado não se encontra em condições de risco, razão pela qual é incabível a integração do adicional de periculosidade sobre as mencionadas horas.

Súmula nº 171 do TST:

FÉRIAS PROPORCIONAIS. CONTRATO DE TRABALHO. EXTINÇÃO. Salvo na hipótese de dispensa do empregado por justa causa, a extinção do contrato de trabalho sujeita o empregador ao pagamento da remuneração das férias proporcionais, ainda que incompleto o período aquisitivo de 12 (doze) meses (art. 147 da CLT).

Súmula nº 265 do TST:

ADICIONAL NOTURNO. ALTERAÇÃO DE TURNO DE TRABALHO. POSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO. A transferência para o período diurno de trabalho implica a perda do direito ao adicional noturno.

Súmula nº 287 do TST:

JORNADA DE TRABALHO. GERENTE BANCÁRIO. A jornada de trabalho do empregado de banco gerente de agência é regida pelo art. 224, § 2º, da CLT. Quanto ao gerente-geral de agência bancária, presume-se o exercício de encargo de gestão, aplicando-se-lhe o art. 62 da CLT.

Súmula nº 294 do TST:

PRESCRIÇÃO. ALTERAÇÃO CONTRATUAL. TRABALHADOR URBANO. Tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei.

Súmula nº 354 do TST:

GORJETAS. NATUREZA JURÍDICA. REPERCUSSÕES. As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.

Súmula nº 360 do TST:

TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. INTERVALOS INTRAJORNADA E SEMANAL. A interrupção do trabalho destinada a repouso e alimentação, dentro de cada turno, ou o intervalo para repouso semanal, não descaracteriza o turno de revezamento com jornada de 6 (seis) horas previsto no art. 7º, XIV, da CF/1988.

Súmula nº 363 do TST:

CONTRATO NULO. EFEITOS. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Súmula nº 423 do TST:

TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. FIXAÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO MEDIANTE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. VALIDADE. Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não têm direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras.

Percebe-se pela leitura das súmulas acima que a proatividade do TST afeta matérias de interesse tanto dos empregados quanto dos empregadores. A atuação do TST por meio das suas súmulas e orientações jurisprudenciais colaboram positivamente para o equilíbrio da relação de emprego. Temos uma atuação muito mais positiva do que negativa. Porém, com a nova regra, o TST terá sua atuação comprometida. Só o tempo dirá como o Tribunal enfrentará essa mudança.

 

Limite na análise das normas coletivas pela Justiça do Trabalho

Por sua vez, o § 3º acrescido à CLT pela reforma trabalhista trouxe uma questão de extrema polêmica: no exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 do Código Civil, quais sejam: I. Agente capaz; II. Objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III. Forma prescrita (proibida) ou não defesa em lei.

Agora, por força de lei, vigora no Direito do Trabalho o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva, devendo o juiz balizar sua análise e julgamento levando em consideração a prevalência da norma coletiva sobre a lei.

Isto significa que a supremacia do acordado sobre legislado é absoluta, pois nem a Justiça do Trabalho poderá declarar a nulidade de cláusula coletiva, salvo nos casos de invalidade do negócio jurídico, como por exemplo na hipótese de haver uma negociação de objeto ilícito (drogas em geral) ou uma das partes do acordo não esteja plenamente capaz para o exercício da vida civil.


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